Texto do Comitê para Pesquisa, Divulgação e Defesa dos Direitos Animais (CPDA)
O texto a seguir é o relato do que sente um animal ao ser usado numa aula de medicina, onde é submetido a um terrível procedimento.
Tivemos como base relatos de aulas onde práticas similares ocorreram. Não afirmamos que isto seja o comum, em faculdades médicas onde se usa animais. Todavia, tampouco cremos nas alegações, de professores e alunos destes cursos, de que os animais "
nunca sentem nada". Mesmo quando se procura poupar o animal do sofrimento, este sempre existe, até porque não é apenas físico, mas também psicológico.
Na verdade, toda dor, ou mesmo dor nenhuma, é sempre um abuso, no contexto de qualquer atividade que utiliza animais como recursos, violando a liberdade com que foram criados, muito antes que os seres humanos existissem e se arrogassem o papel de "superiores".
DOR
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O fisiologista não é um homem comum: é um cientista, possuído e absorvido na idéia científica que persegue. Ele não ouve os lamentos dos animais, ele não vê o sangue que corre, ele não vê nada exceto sua idéia, e não percebe nada exceto um organismo que oculta a resposta para o problema que está buscando resolver." (Claude Bernard, fundador da vivisseçcão moderna, meados do século XIX)
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Quem já viveu a dura experiência de encarar um cão subanestesiado tendo suas vísceras extraídas, e ao olhar seus olhos ver lágrimas, apenas lágrimas como manifestação de dor, já que toda sua musculatura está paralisada pelos bloqueadores neuromusculares, sabe exatamente do que estou falando" (Dr. Marcelo Andrade, médico cardiologista, lembrando a experiência nos tempos de graduação, final do século XX).
Um dia antes, ele foi deixado ali. Preso numa gaiola, numa sala escura. Por todos os lados, outras gaiolas, com outros animais. No silêncio, ele fica acordado, presa de expectativa. Já cansou de latir, uivar, e agora apenas espera – pelo que não sabe nem pode prever. Foi trazido de algum lugar (um Centro de Controle de Zoonoses da prefeitura), depois de ter sido apanhado pela carrocinha – um cão que vivia solto nas ruas. Sem lar, sem nome, esteve próximo da execução no CCZ, mas enfim alguém se apropriou dele. Uma faculdade – uma das muitas faculdades de medicina que ainda usam animais.
O tempo passa. Vez ou outra, um ruído próximo: outro animal se move ou suspira. Com fome, arrepiado (é frio, o depósito), o cão mantém-se quieto, enroscado em si mesmo. Os olhos varrem o escuro, mas sabe que adiante estão as grades. Então, um som. Um filete de luz surge ao rés do chão. E uma porta se abre. Um homem vestido com uniforme azul entra na sala, enquanto animais acordam e começam a latir. O cão na gaiola se levanta e, não sendo bravo, aperta os olhos para acompanhar o movimento. Vê as grades se abrirem, é seguro por mãos firmes e comprimido junto ao peito.
De repente, está no meio da luz. O contato do uniforme o esquenta, as mãos têm delicadeza. O homem tranca o depósito, os latidos dos animais ficam distantes. Cruzam um corredor de paredes brancas e janelas gradeadas. Cruzam outra porta e, no momento seguinte, o cão vê-se entre uma dezena de pessoas. São rapazes e moças, vestidos com jalecos brancos – alguns parecem tensos. Farejando o ar, o cão percebe medo e o coração bate mais forte. Há um clima tenso e todos o seguem com o olhar. No silêncio da sala, um homem maduro, também de jaleco, toma-o das mãos do primeiro homem e diz alguma coisa. O-B-R-I-G-A-D-O (o tom soa tranqüilo).
Sozinho, o cão busca em redor. Numa janela, o começo da manhã: um pátio, pessoas, carros parando. O coração batendo, ouve o professor falar aos estudantes. Alvo de olhares, sente a tensão crescer, mas nem todos estão tensos. O
silêncio continua grande, entre cada palavra do homem de branco. Não há tanta delicadeza, agora – as mãos apertam seus rins. Algo como ser pego com pouca atenção. Chega o momento em que o homem pára de falar e dois rapazes acercam-se do cão. Pares de mãos colocam-no sobre uma mesa – de costas sobre o frio alumínio. Os jovens mantêm-no nesta posição, enquanto o professor toma cada uma das patas e estende, amarrando com barbante.
O cão vê tudo de cabeça para baixo. No crânio, a pressão da mesa, o frio nas orelhas e no dorso. Tenta se mover, mas as pernas estão esticadas para fora. Quanto mais luta, mais forte é a pressão nos pulsos. Sentindo o ar, percebe a tensão, agora dominante – o coração batendo muito rápido. Sem ver a janela, o cão escuta o homem falar, palavras que não entende, avisos que não entende e instruções que não entende. Se pudesse entender, saberia que tratam da importância do conhecimento científico e da necessidade de observação imparcial do que será feito.
Então, sente uma picada - acabam de lhe aplicar uma injeção. E é como se o corpo lhe escapasse, os músculos relaxando pouco a pouco.
Ele continua consciente, mas não pode mais se mover.
O cão escuta um som metálico – uma caixa é colocada ao seu lado. Uma moça, de vinte e poucos anos, tira um objeto brilhante e o entrega ao homem de jaleco. O coração bate sob a pele, os pulmões respiram com rapidez e há uma ânsia de latir. A dor nos pulsos fica mais angustiante. Já não vê a janela, mas ouve ruídos, sons vindos de longe. O cão olha em redor de si, até onde consegue vê frascos escuros e cartazes com desenhos (Anatomia Humana). Nesse momento, o grupo aproxima-se, fecha-se em torno: uma dezena de jalecos brancos e, mais próximo, o professor.
Então, sente uma dor aguda – começam a cortar sua barriga.
O coração
dispara, o cão tenta
soltar-se, a dor fica
insuportável. Tenta bater as pernas, mas nada acontece. Os pulsos estalam, o pescoço incha, os olhos ficam vermelhos e um gemido escapa pela boca inerte. Como queria ganir – desabafar a
dor! O corpo quente diante de seus olhos debruça-se, o ventre arde e queima enquanto o bisturi avança. O cão
grita, mas o som perde-se na garganta. Não ouve um som, apenas as batidas surdas do coração. Ninguém fala, existe apenas a tensão contida. Movendo a cabeça, vê jalecos amarelos (a visão se embaça), rostos rígidos e atentos. Os olhos não piscam, mas evitam os seus.
Sobre a mesa, o cão
treme. Agora mal se percebe sua respiração – mas ainda está vivo. Um calor brota de si, escorre pelo corpo, empapa seu dorso –
sangue jorrando. A mente nublada, os olhos escuros, sente o bisturi parar. Mãos abrem sua barriga. O corpo estremece, as pernas de afrouxam, enquanto as vísceras são manuseadas. O
coração bate fraco, os
olhos se fecham, a
respiração diminui. Os jalecos se inclinam, uma voz fala no
silêncio sem
gemidos.
Depois, fecham-no.
E acaba a lição. Ou começa outra... para vocês....?
"Quando se é capaz de lutar por animais, também se é capaz de lutar por crianças ou idosos.
Não há bons ou maus combates, apenas o horror ao sofrimento aplicado aos mais fracos que não podem se defender."
Brigitte Bardot