Moda ética – Neide Köhler Schulte
O hábito de cobrir o corpo humano, vestir-se, está presente desde o princípio da humanidade. As razões para cobrir o corpo não têm relação unicamente com a proteção (do frio, do sol), mas também com a estética, o poder, a sedução entre os gêneros, entre outras.
Os primeiros materiais utilizados eram de origem animal, peles, pelos e penas. Posteriormente o homem passou a utilizar fibras de plantas, que aprendeu a tramar, desenvolvendo os tecidos. No século XIX, a indústria têxtil criou as fibras artificiais e sintéticas para a produção de tecidos. Portanto, existem tecidos de origem natural (animal e vegetal), artificial (viscose, modal, tencel etc.) e sintética (poliéster, poliamida etc.).
Atualmente existem diversas opções de materiais para o desenvolvimento de roupas, dispens,ando totalmente o uso de materiais de origem animal. No entanto, o couro animal ainda é muito utilizado em roupas e principalmente em calçados, com o argumento de que é o aproveitamento das peles dos animais que são usados para o consumo da carne.
Além de todos os impactos ambientais do tratamento do couro, existe o impacto da criação artificial de animais para o consumo da carne e das peles (o desmatamento de extensas áreas, o grande consumo de água, o gás metano, entre outros). Ou seja, o uso de animais, seja para alimentação, vestuário, trabalho e experimentação, não é sustentável nem ético ambientalmente.
O fenômeno da moda para o vestuário surgiu no final da Idade Média com as grandes navegações e a troca de produtos entre os diferentes povos. Atualmente, a moda está relacionada com o novo, com o efêmero, com mudanças cada vez mais rápidas nos produtos. Com o estímulo da publicidade, há uma busca frenética pela novidade e, como consequência, tem-se aumento do consumo. Esse sistema da moda sem medir as consequências tem grandes impactos ambientais que foram ignorados durante muito tempo.
Entre os exemplos, pode-se citar o uso das penas púrpuras de reflexos ondulados da íbis, uma ave pernalta do vale do Nilo, para enfeitar os chapéus que estavam na moda, durante a Belle Époque, no final do século XIX. Naturalmente ignoraram que o pássaro pertencia a uma cadeia alimentar que existe há muito tempo: a íbis se alimenta de pequenos répteis, cuja alimentação é composta por batráquios, que, por sua vez, comem gafanhotos. É possível que eles não imaginassem que, querendo satisfazer uma tendência da moda da época, utilizando essas penas, provocariam a fome no Egito. Com a perseguição da íbis, cresceu a população de répteis. Os répteis devoravam as rãs, deixando os gafanhotos sem predador: os insetos vão destruir as plantações de cereais e espalhar a miséria entre os camponeses [1].
Esse exemplo ilustra a complexidade das interações entre o homem, os objetos produzidos por ele e a natureza. É o que Capra define como uma teia interconexa de relações [2] quando se refere ao modo como deve ser vista a natureza. Tudo está interligado.
Assim, se as tendências de moda, por sua vez, indicarem o uso de materiais orgânicos, reciclados, reaproveitados, menos poluentes, contrárias ao uso de peles de animais, entre outros, haverá uma contribuição significativa para reorientar a produção, os serviços e o consumo de moda.
Esta tendência ecológica para a moda não é apenas uma suposição. Ela já foi lançada e pode ser observada nas coleções de grandes estilistas internacionais que influenciam a moda em todo o mundo. Roupas feitas com fibras naturais e materiais reciclados ganham terreno na Itália. Gigantes da moda, como Giorgio Armani, se somam à tendência. O respeito pelo meio ambiente por meio da utilização de fibras e tintas naturais, da reciclagem de resíduos, do reuso de roupas e do não uso de peles de animais, são a base da moda ecológica que pouco a pouco ganha terreno entre os consumidores e estilistas na Itália e em outros países.
A estilista inglesa Vivienne Westwood, considerada uma das precursoras do punk e uma das designers mais influentes do século XX, fez um apelo para que as pessoas consumam menos e façam melhor suas escolhas de compra. A estilista de 67 anos, que lançou em São Paulo, em janeiro de 2008 durante a SPFW [3], duas sandálias de plástico em parceria com uma empresa brasileira, rebate as críticas de quem a chama de “hipócrita” por seu discurso anticonsumista, já que ela mesma produz coleções veneradas pelo mundo fashion. Segundo Westwood, hipócritas são as pessoas que têm dinheiro e se vestem como pobres. Eles deveriam comprar roupas bacanas, mas não muitas. Para ela, as pessoas devem selecionar mais e não serem engolidas por tudo o que se propõe. São privilegiadas porque podem escolher as roupas, mas devem escolhê-las melhor. Ela afirmou ainda que gostaria de produzir menos. “Eu realmente estou cansada de fazer tanto. Prefiro muito, muito fazer menos e fazê-lo muito bem. Só preciso descobrir como [4].”
Descobrir como fazer uma moda “ética”, mais adequada ao contexto do desenvolvimento ambientalmente sustentável é o grande desafio do design de moda na era pós-moderna. A reutilização de tecidos, a vintage, os tecidos reciclados e orgânicos, a troca de roupas e o aluguel, são opções na busca por uma moda mais ética.
[1] KAZAZIAN, 2005, p. 10.
[2] CAPRA, 1996.
[3] São Paulo Fashion Week, janeiro de 2008
[4] http://oglobo.globo.com/cultura/mat/ Acesso em: 17/01/2008
Fonte: ANDA